Após alta hospitalar, 25% dos pacientes intubados por Covid morrem por sequelas

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No período de seis meses após a alta hospitalar, um em cada quatro pacientes graves de Covid-19 que foram intubados acaba morrendo. Entre os internados que não precisaram de ventilação mecânica, a taxa de mortalidade é de 2%.

Os resultados preliminares são do estudo Coalizão, conduzido por oito hospitais de excelência do Brasil e institutos de pesquisa, que avalia a qualidade de vida e os desfechos de sobreviventes de hospitalizações por Covid-19.

Os participantes são pacientes internados nessas instituições. São monitorados por ligações telefônicas a cada três, seis, nove e 12 meses após a alta hospitalar.

Os pesquisadores investigam, por exemplo, se eles foram reinternados por alguma razão, se sofreram eventos cardiovasculares e falta de ar e se voltaram ao trabalho e às atividades habituais.

Os dados já disponíveis mostram que, no período de seis meses, a taxa de nova hospitalização geral desses pacientes foi de 17%. Entre os intubados na primeira internação por Covid, 40% tiveram que ser reinternados.

“Trabalho em UTI, estou envolvido com vários estudos e fiquei muito surpreso com esses resultados. Mesmo nos casos mais leves, a doença não tem uma evolução tão benigna quanto pensávamos”, diz Alexandre Biasi, diretor de pesquisa do HCor (Hospital do Coração) e membro da Coalizão Covid-19 Brasil.

A rede é formada pelos hospitais Albert Einstein, HCor, Sírio-Libanês, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz, Beneficência Portuguesa e os institutos Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).

Embora a intubação esteja associada a uma maior taxa de mortalidade e complicações na internação e após a alta, é a gravidade da doença, e não o procedimento em si, a responsável pelos desfechos ruins.

A ressalva é importante porque muitas pessoas têm retardado a ida ao hospital com medo da intubação, o que piora ainda mais o quadro clínico.

O estudo Coalizão ainda está compilando as causas das mortes e das reinternações dos sequelados pela Covid, mas os dados preliminares já servem de alerta para a importância do acompanhamento desses pacientes após a alta.

O trabalho mostra que 20% dos pacientes que foram intubados ainda não tinham voltado a trabalhar seis meses após deixarem o hospital. Entre os que não precisaram de ventilação mecânica, foram 5%.

“O problema não acaba quando o paciente sai do hospital. Temos agora um contingente absurdo de pessoas com sequelas de uma doença aguda que antes não tínhamos na sociedade. Falta de ar, por exemplo, é super comum, mesmo em casos que não eram graves. É uma perda para as pessoas, uma perda para a sociedade”, diz Biasi.

Os primeiros resultados do estudo Coalizão envolveram 1.006 pacientes. Atualmente, mais de 1.200 estão sendo acompanhados e outros ainda serão incluídos. A idade média dos participantes é de 52 anos, sendo 60% homens. O tempo médio de hospitalização foi de nove dias. Um quarto necessitou de ventilação mecânica.

Outro dado que chamou a atenção dos pesquisadores é a alta taxa de queixas de transtornos mentais após a alta hospitalar: 22% relatam ansiedade, 19%, depressão e 11%, estresse pós-traumático.

“Independentemente de terem sido ou não intubados, o impacto na saúde mental é grande. Em três meses após a internação, 20% dos pacientes intubados apresentam sinais de estresse pós-traumático. Entre os não intubados, foram 12%”, diz .

Nos pacientes mais graves, os pesquisadores estão analisando os efeitos da chamada “síndrome pós-UTI”. Essas disfunções acabam gerando sequelas importantes como fraqueza muscular e redução da capacidade física.

O fisioterapeuta Rogério Dib, do departamento de pacientes graves do hospital Albert Einstein, explica que os pacientes intubados, além da imobilismo e da sedação, usam uma medicação chamada de neurobloqueador, que “desliga” os músculos.

O tempo de reabilitação depende da gravidade da doença, do tempo de internação e da condição prévia de saúde do paciente. “Quanto mais frágil o paciente, mais sujeito a ter complicações.”

O empresário Victor Simão, 62, foi infectado em outubro do ano passado e ainda busca recuperar os sete quilos de músculo perdidos nos 19 dias de internação no Einstein, sete dos quais na UTI, intubado.

No seu caso, a evolução da doença foi muito rápida. Em menos de uma semana de sintomas, 75% do seu pulmão ficou comprometido, ele sofreu uma embolia pulmonar e precisou ser intubado.

Ao sair do hospital, ele conta que não tinha condições de ficar em pé tamanha a fraqueza. Em casa, precisou de mais 20 sessões de fisioterapia para ir recuperando a força muscular. No período, também contou com ajuda da fonoaudióloga para reaprender a comer sem engasgar.

“Você começa a dar importância às pequenas coisas da vida, que é a sua independência. Naquele período, me ajudavam a escovar os dentes, a pentear o cabelo, a ir ao banheiro. Alguém precisava me ajudar a sair da cama porque se eu ficasse em pé, cairia.”

Ele retomou a rotina de trabalho e faz academia quatro vezes por semana. “Estou quase no que eu era. Não consigo levantar os mesmos quilos de antes, mas estou chegando lá.”

Para ele, foi um conjunto de fatores que possibilitou a sua rápida recuperação. “Acho que foram as correntes de orações, o hospital, os médicos, as enfermeiras, a fisio, a fono, a nutricionista. Você depende de uma série de pessoas, elas é que te salvam a vida. Eu sou um privilegiado não só pela recuperação, mas por ter acesso a todo esse tratamento.”

ATÉ ASSINTOMÁTICOS DE COVID PODEM APRESENTAR SEQUELAS
Ao entoar os primeiros acordes na guitarra de “Oh, Pretty Woman”, o músico Wagner Bernardo de Figueiredo, 64, de São Paulo, assustou-se. Ele havia esquecido a canção que está no repertório dos seus shows há 20 anos.

“Foi ridículo. Somos em três [músicos], e eles não acreditaram, achavam que estava estava tirando sarro, brincando. Não saiu, não aconteceu. Achei que estivesse com princípio de mal de Alzheimer“, lembra ele.

Em maio do ano passado, Figueiredo precisou fazer uma cirurgia cardíaca de urgência e descobriu, no hospital, que o teste de Covid-19 havia dado positivo, embora ele não manifestasse sintomas.

Recuperado da cirurgia, retomou a rotina, mas nos meses seguintes passou a ter falhas de memória. “Levantava para ir ao banheiro ou pegar alguma coisa dentro de casa e me perguntava: o que é que vim fazer aqui mesmo?”

Além dos esquecimentos, Figueiredo diz que começou a se sentir “nervosinho” demais, apresentar queda de cabelo e desequilíbrio corporal. “Começava a andar em linha reta e ia para a diagonal. Tudo muito esquisito.”

Ao pesquisar sobre o assunto na internet, ele e a mulher descobriram um estudo em andamento no InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da USP que investiga disfunções cognitivas causadas pela Covid-19, mesmo em pessoas assintomáticas ou que tiveram sintomas leves da doença.

À época, vários relatos como o do músico começaram a chegar para a neuropsicóloga Lívia Stocco Sanches Valentin, professora da USP e autora do estudo.

Alguns deles: “Lembro-me de fazer o pedido da comida e de pagar por ele. Mas não me lembro de ter comido”. “Dormi em pé tomando banho.” “Meu marido sofreu traumatismo craniano enquanto andava de bicicleta e dormiu.” “Tive que vender minha moto, desaprendi a andar, não consigo mais ter coordenação e nem equilíbrio para ficar em cima dela!”.

Hoje, mais 400 pacientes “recuperados” da Covid-19 estão sendo acompanhados na pesquisa que investiga o uso de um jogo digital chamado MentalPlus na avaliação e reabilitação da função cognitiva, uma espécie de “musculação mental”.

Segundo Valentin, resultados preliminares indicam que 80% dos seus pesquisados relatam dificuldade de concentração ou atenção, perda de memória ou dificuldade para lembrar-se das coisas, além de mudanças comportamentais e emocionais e queda da coordenação motora.

A hipótese, explica a pesquisadora, é que a infecção viral possa afetar a função executiva do cérebro. De acordo com ela, o quadro é passível de reversão por meio de exercícios cognitivos específicos.
Figueiredo diz que, com os exercícios propostos pelo jogo, conseguiu melhorar “uns 70%” a sua função cognitiva. Mas, como precaução, passou a deixar a sequência melódica das músicas de lado para não passar pelo apuro anterior.

Quase um ano depois do início da pandemia no Brasil, muitas pessoas, assim como o músico, têm travado lutas diárias contra as sequelas tardias da Covid-19.

A dona de casa Liliane da Luz, 36, por exemplo, teve confirmação da Covid-19 em junho de 2020. À época, teve perda de paladar e de olfato, limitações que a acompanham até hoje.

“Não sinto nem gosto nem cheiro. Arroz e carne já queimaram. Tive dificuldade no começo, precisei colocar despertador para ficar atenta ao tempo da comida.”

Resultados preliminares de uma outra pesquisa com pacientes recuperados da doença, acompanhados pela FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP, revelam que 64% têm algum sintoma persistente seis meses depois do início da infecção.

O médico Marco Tulio Ribeiro, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e professor na Universidade Federal do Ceará, afirma que na atenção primária têm aparecido muitos pacientes com queixas respiratórias, motoras ou emocionais após a infecção pelo coronavírus.

Abalos na saúde mental também são frequentes, inclusive entre as pessoas que não precisaram de internação, segundo ele.

“Medo de se infectar novamente, medo de ir para o hospital e ter que ficar internado. Há muitos casos de ansiedade, de depressão e de estresse pós-traumático, inclusive de familiares dos doentes”, relata Ribeiro.

É o caso do motorista Pedro Souza Scapellini, 38. Em julho passado, ele teve diagnóstico de Covid, com sintomas leves como perda de paladar, olfato, dores atrás dos olhos e prostração forte.

Ele conta que, após se curar da Covid, foi tomado pela apatia, um desânimo que nunca havia sentido. “Não tinha vontade de fazer nada. Se me deixassem, ele ficava na cama o dia todo.” Em setembro, ele procurou um psiquiatra, que diagnosticou depressão.

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